Paisagistas indicam plantas brasileiras para cultivar dentro ou fora de casa
Por Marília Miragaia
O Brasil tem uma das maiores biodiversidades do mundo, mas, na hora de montar um jardim, as plantas nativas ainda são pouco usadas, de acordo com paisagistas e biólogos.
Quando bem empregadas, essas espécies reduzem a necessidade de manutenção do jardim. São plantas adaptadas ao entorno, o que diminui os trabalhos de poda, a adubação e a rega, explica o biólogo Anderson Santos, apresentador do programa “Terra Brasil”, no canal Animal Planet, e dono da Escola de Botânica, na região central de São Paulo.
“Tremo na base quando alguém fala que vai limpar o mato de um terreno que acabou de comprar”, afirma Gustavo Martinelli, pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O mato é muitas vezes como as pessoas se referem à vegetação nativa, diz ele.
Nessa “limpeza” são destruídas espécies que poderiam compor um jardim. Um exemplo é a quaresmeira, lembra Martinelli, que também atua como coordenador do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora).
Muitos projetos paisagísticos utilizam plantas “fast-food”, que estão na moda e podem ser encontradas em qualquer lugar, afirma o botânico Ricardo Cardim, da Cardim Arquitetura Paisagística.
Caso da cica (que lembra uma palmeira baixa), da palmeira triângulo, do buxinho (espécie de arbusto) e da areca-bambu. Todas são exóticas, plantas que foram introduzidas em um território que não é o seu de origem.
Para o biólogo Anderson Santos, um dos problemas dessas espécies é que elas não realizam tantas trocas benéficas com abelhas, borboletas e aves, o que desfavorece o equilíbrio ecológico.
Além disso, algumas espécies exóticas não têm predadores locais e podem, assim, ser mais competitivas.
“Quando uma planta evoluiu em uma determinada região, ela tem a capacidade de fortalecer os polinizadores naturais que estão ao redor e consegue usar seus próprios recursos de forma mais eficiente”, explica Cardim, que organiza mutirões de plantio para restabelecer trechos de mata atlântica.
A ausência de uma tradição de paisagismo com plantas nacionais é uma questão cultural, na opinião do pesquisador Gustavo Martinelli. Para ele, essa carência está relacionada à valorização, que existe desde o período colonial, de uma estética europeia.
O assunto entrou na pauta da Semana da Mata Atlântica, realizada em maio de 2019.
“A intenção era estimular escritórios, consumidores e produtores de mudas a usar espécies nativas”, explica Clayton Lino, um dos fundadores da SOS Mata Atlântica e presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, área de conservação reconhecida pela Unesco. O grupo pretende organizar debates, palestras e cursos sobre o tema.
Referência no uso de espécies brasileiras, os paisagistas Roberto Burle Marx (1909-1994) e Haruyoshi Ono (1943-2017) contemplavam a paisagem e a vegetação de um local antes de estabelecer diretrizes para um trabalho.
“O paisagismo deve estar o mais inserido possível dentro do ambiente”, diz Isabela Ono, atual diretora do escritório Burle Marx e filha de Haruyoshi Ono.
Mas é preciso escolher as espécies nativas de acordo com variações climáticas e ambientais em cada região do Brasil.
São informações encontradas nos sites das prefeituras ou do governo do estado, que geralmente têm dados sobre vegetação e clima locais, diz a engenheira agrônoma e especialista em biodiversidade nativa Julcéia Camillo.
Plantas que têm um grau menor de exigência, como o guaimbê, são uma boa forma de começar um jardim de nativas, dentro ou fora de casa.
A espécie foi usada para decorar o corredor de uma casa nos Jardins, zona oeste de São Paulo, feito pelo escritório AS Design Arquitetura, da arquiteta Fernanda Sebrian. A ideia, segundo Sebrian, era aproveitar o volume que a folhagem tem para criar um desenho mais moderno, sem exigir muita manutenção.
Outra planta resistente é a clusia, que tem folhas arredondadas, brilhantes e espessas. Pode ser cultivada em vasos ou canteiros e usada para fazer uma cerca viva para dividir ambientes, explica a paisagista Clariça Lima, do estúdio que leva seu nome.
Quando o projeto prevê mais espaço, ela sugere também árvores como ipê-amarelo, sibipiruna e frutíferas, como pitangueira, grumixameira e cabeluda, ou cabeludeira, que dá um frutinho amarelo e redondo.
Em um projeto do escritório Patrícia Martinez na Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz, interior de São Paulo, a jabuticabeira foi incorporada à decoração a partir de um pedido do morador. Em função da árvore, foi instalada, na sala, uma parede de vidro.
O paisagista responsável, Rodrigo Oliveira, diz que muitos clientes têm uma relação afetiva com árvores frutíferas, como jabuticabeira ou pitangueira.
Essa espécies também conseguem se adaptar a vasos maiores, já que o tamanho da planta pode ser controlado com ajuda de poda.
Mudas de árvores frutíferas são encontradas com facilidade, mas, em geral, conseguir opções de espécies nativas em floriculturas e lojas especializadas dá mais trabalho, explica Nik Sabey, paisagista à frente do Novas Árvores por Aí, que faz plantios coletivos.
Caso o viveiro não tenha nenhum vaso disponível, a sugestão é tentar encomendar.
Ainda que o uso de plantas nativas seja uma discussão importante, não deve existir “discriminação” de espécies exóticas, diz Julcéia Camillo, que também é sócia da empresa de paisagismo Aroeira.
Muitas delas, inclusive, são bem adaptadas a diferentes regiões do país.
“É a mesma coisa com frutas: tudo bem comer maçã, mas você também pode comer cambuci”, diz.
CINCO PLANTAS BRASILEIRAS PARA VASO OU JARDIM
Clusia Alguns tipos dessa planta têm crescimento vigoroso; outras, de porte menor, como a Clusia fluminensis, podem ser cultivadas em vasos
Guaimbê Sua folhagem lembra a da costela-de-adão. Pode ser cultivada em áreas de pleno sol e de meio-sol
Grama-amendoim Floresce no verão em pleno sol, produzindo pequenas flores amarelas
Vedélia Com uma flor que lembra a margarida, é boa para canteiros e cresce tanto em pleno sol como à meia-sombra
Triális Apropriada para canteiros, cresce em pleno sol e produz uma pequena flor amarela
Fonte: Harri Lorenzi, engenheiro agrônomo do Jardim Botânico Plantarum, centro de pesquisa e conservação